terça-feira, 10 de março de 2020

Retrospetiva da evolução da gripe "A" nos Açores

 


Dados oficiais mostram que o surto atingiu as várias ilhas em intensidade e tempos diferentes


Pulicado no "Diário dos Açores" e no Diário Insular"


Numa altura em que as notícias dão conta da presença do coronavírus em Portugal e da forte possibilidade de se alastrar, recorde-se como, em 2009 e 2010, a gripe A evoluiu nas diferentes ilhas, segundo os dados distribuídos na altura -- com a reserva das diferenças entre uma situação e outra e o facto de ainda existirem dúvidas sobre o comportamento futuro, em termos de propagação, do presente vírus.
Não existe qualquer indício ou suposição de que a evolução do coronavírus possa ter o mesmo comportamento, trata-se apenas de uma retrospetiva para se compreender, à distância, o que aconteceu com a gripe “A”, embora o diretor regional da saúde na Região já tenha reconhecido que a experiência da gripe A pode ser útil.
O primeiro caso de gripe A surgiu na ilha Terceira, no dia 1 de julho de 2009. Tratou-se de uma criança de 3 anos, do sexo feminino, que chegara recentemente do Canadá e que foi seguida no hospital de Angra do Heroísmo. A nível nacional, o primeiro caso fora detetado, dois meses antes, a 4 de Maio de 2009, sendo o 11º país a reportar casos de gripe A no continente europeu. Tratou-se de uma pessoa do sexo feminino, de 31 anos.
Na situação dos Açores, de imediato, os passageiros que viajaram perto da criança, no mesmo voo e as pessoas próximas das suas relações pessoais, foram contactados pelo Delegado de Saúde, para avaliar o seu estado sanitário.
Os dias seguintes foram ligeiramente calmos, nos Açores, aparecendo casos isolados em diversas localidades. De 1 de Julho, dia em que foi confirmado o primeiro caso, até 23 de Agosto, sensivelmente 7 semanas, foram confirmados 105 casos, em diversas localidades da Região.
De um momento para o outro, surgiu um pico de pessoas infetadas nos concelhos de Ponta Delgada e Ribeira Grande, chegando a atingir 151 casos confirmados em laboratório na Ribeira Grande, só na semana de 20 de Setembro e 118 em Ponta Delgada, na semana de 25 de Outubro. Por essa altura apareceram também alguns casos nos restantes concelhos de S. Miguel com menor incidência, de acordo com os dados disponibilizados na altura na página especifica da Direção Regional de Saúde.
A partir de finais de Novembro, a epidemia “migra” para a Terceira, mantendo uma atividade bastante intensa durante 12 semanas, tanto no concelho de Angra como no da Praia. Na mesma altura surgem alguns casos positivos no Faial e no Pico.
Já a crise abrandava e os casos eram praticamente nulos, quando, de um momento para o outro, surge uma explosão em S. Jorge, chegando a atingir cerca de 200 casos confirmados nos dois concelhos, em apenas quatro semanas.
A partir de 28 de Março a atividade praticamente desapareceu, tendo sido registado, nessa última semana apenas um caso confirmado em laboratório. Podemos dizer que a gripe A tinha desaparecido nos Açores, depois de ter permanecido ativa aproximadamente nove meses, de 1 de Julho de 2009 a 28 de Março de 2010.
De acordo com os relatos da imprensa da altura, as respostas dos serviços de saúde foram-se adaptando em função das informações que iam sendo conhecidas, tanto nos Açores como no continente e dos respetivos resultados, procurando-se, segundo fontes oficiais da altura, as melhores soluções para cada situação.


Do transporte dedicado à minimização

Os primeiros casos foram transportados em ambulâncias dedicadas e com pessoal equipado com vestuário adequado e havia corredores definidos nas unidades de saúde, para não se cruzarem com outras pessoas que se encontrassem nas salas de espera dessas unidades de saúde.
Um pouco mais tarde, quando os casos começaram a aparecer em maior número, já a Linha de Saúde Açores dava indicações para as pessoas se dirigirem por seus próprios meios, se tivessem essa possibilidade, tendo cada hospital e cada centro de saúde definido locais específicos, para atender essas pessoas.
Também a partir de determinada altura os testes passaram a ser feitos aleatoriamente, sendo apenas contabilizados para efeitos de cálculo da evolução da epidemia os casos confirmados em laboratório. À medida que era atingido um determinado volume de casos, as unidades de saúde passavam a um regime de “minimização”, situação que ser verificou, por exemplo, a 21 de Setembro na Ribeira Grande, a 1 de Outubro em Ponta Delgada e a 19 de Outubro no Nordeste.
De acordo com os dados disponibilizados pela Direção regional de Saúde na altura, até ao dia 28 de Março de 2010, quando foi divulgado o último relatório, tinham sido confirmados por análises feitas nos laboratórios da Terceira e de S. Miguel, 3442 casos positivos acumulados, em todas as ilhas.
No conjunto, a maior incidência ocorreu entre meados de Outubro e finais de Dezembro. Julgava-se que no Carnaval, face aos aglomerados de pessoas, o número de casos voltasse a intensificar-se, mas acabou por não acontecer, pelo contrário nessa altura já o surto estava a diminuir.
Ao longo deste processo, surgiram diversos momentos de tensão política e sociais, face às medidas tomadas com posições negativas de pessoal de saúde e uma grande pressão política, tendo o caso chegado à Assembleia Regional.
Agora, à distância pelos relatos dos jornais e por memória do que se passou no terreno, verifica-se que algumas medidas podem não ter sido na altura bem compreendidas, mas acabaram por dar boas respostas e algumas, pode dizer-se, foram efetivamente as mais adequadas.
Houve sempre uma grande preocupação em comparar os números e as decisões tomadas na Região com o que se passava no conjunto do país, acusando-se os responsáveis regionais de não seguiram os caminhos mais adequados.
Na verdade a determinada altura os números indicavam uma maior incidência na Região, mas no final do surto verificou-se que ocorreram no continente, níveis de incidência proporcionalmente semelhantes aos registados nos Açores, só que em momentos diferentes, embora essa parte já não foi compreendida, porque a determinada altura, a questão da gripe A deixou de ser notícia.

O país registou 162 992 casos de gripe A

Até 29 de Abril de 2010, quando foi feita a última atualização pela Direção-Geral da Saúde, Portugal registava 166 992 casos de gripe A.
O pico da epidemia a nível nacional ocorreu entre 16 e 29 de Novembro, tendo diminuído posteriormente, estimando-se que a taxa de ataque tenha sido superior a 10 %.
No total do país foi notificada a hospitalização de 1436 doentes dos quais 193 admitidos em cuidados intensivos com uma demora média de internamento de 17 dias. Registaram-se cumulativamente 124 óbitos.
Nos Açores há registo de duas mortes relacionadas com a gripe A, havendo um terceiro caso – que vem registado no relatório da DGS --, mas que segundo as entidades regionais não foi conclusivo. Na Região há registo, também, de várias pessoas que tiveram de ser internadas e em várias situações com recurso aos cuidados intensivos.
O relatório final da Direção-Geral da Saúde salienta que a adesão social às mensagens preconizadas foi positiva, “tendo os cidadãos assumido um papel relevante na perspetiva preventiva”.
O mesmo relatório refere ainda que o investimento feito a nível das escolas, com a colaboração de alunos e educadores foi exemplar e contribuiu para reduzir o impacto da pandemia.



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