No imaginário
dos açorianos, há ilhas que têm sido privilegiadas e, portanto, fontes de maior
riqueza e outras têm sido esquecidas, logo mais pobres e com menos rendimentos.
O próprio discurso popular e político frequentemente se refere às ilhas grandes
e ilhas pequenas, percebendo-se claramente que não se trata apenas do tamanho
geográfico mas também da sua dimensão económica.
O fenómeno é
sentido entre várias ilhas e, por vezes, dentro da própria ilha, quando têm
mais de um concelho e todos apontam S. Miguel como a ilha com mais
investimentos e com mais poder político e económico.
Os números
porém não confirmam, totalmente, essa ideia. O PIB per capite em S. Miguel não
é muito superior ao das outras ilhas -- e nem sequer é o mais elevado -- e são
os concelhos de S. Miguel onde se registam as percentagens mais elevadas de
beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) e do Rendimento Mínimo
garantido (RMG). Estes números têm vindo a diminuir desde 2018, mas ainda são
os mais elevados da Região e do país.
A ideia de
que S. Miguel é a ilha com mais poder económico e mais investimentos, vem de
longa data. Antes mesmo da autonomia, os terceirenses se queixavam que S.
Miguel lhes tinha roubado as fábricas do açúcar e do álcool e depois da
autonomia a ideia volta a sentir-se quando, depois de feitos os portos e outros
investimentos estruturais nas ilhas pequenas, os investimentos se voltaram para
S. Miguel que, na altura, tinha sido visivelmente penalizada.
Depois, essa
ideia foi-se desvanecendo, muito pelo contributo das viagens de jovens que
passaram a percorrer as ilhas nas competições desportivas, da generalização das
viagens aéreas e da introdução dos ferries que deu a conhecer a
realidade das ilhas a muito gente.
Turismo
reacende bairrismos
Mas,
recentemente, o turismo, onde S. Miguel surge com números muito acima das
outras ilhas e às opções políticas relativamente às ligações aéreas, a questão
volta a levantar-se.
A vincar este
cenário, surge a passagem de cruzeiros, chegando a ver-se 4 e 5 barcos,
atracados no Porto de Ponta Delgada acompanhando-se as notícias com imagens com
um grande volume de turistas nas ruas e nos pontos turísticos mais importantes
da ilha.
Há que
reconhecer que o cais construído no porto de Ponta Delgada foi uma obra feliz,
quer do ponto de vista estético, criando uma paisagem construída apelativa e
foi também uma obra funcional, porque os turistas desembarcam praticamente no
centro da cidade, ou têm os autocarros logo à saída, que os levam a passeios
onde enchem os olhos e as máquinas fotográficas de paisagens magníficas. Tem
tudo para funcionar.
Ora, os
terceirenses acham que esse movimento teria sentido, também, pelo menos em
parte, em Angra do Heroísmo, podendo oferecer-se o facto de ser cidade
Património Mundial e ter também paisagens e lugares de interesse turístico
únicos como o Algar Carvão e a Base das Lajes com toda a sua história que
voltou a colocar as Terceira nos mapas da estratégia mundial. A determinada
altura chegou a ser prometida a construção de um cais de cruzeiros em Angra,
embora poucos acreditassem ser possível e o tempo veio a comprovar que nunca
passou de uma promessa.
Na verdade,
nesse particular pode afirmar-se que o turismo nunca teve uma política coerente
e desde há muito se percebeu que houve uma nítido favorecimento de S. Miguel,
quer nas ligações aéreas com o exterior, quer nas ligações inter-ilhas.
Todavia,
hoje, há quem tenha dúvidas se essa opção foi a melhor para S. Miguel. (Um
assunto que abordaremos noutro trabalho).
Os números
contraditórios
Mas, afinal o
que faz com que S. Miguel não tenha um PIB mais elevado e porque tem o maior
número de beneficiários do RSI.
Na verdade,
quando se fala de S. Miguel, em termos económicos e desenvolvimento, fala-se de
Ponta Delgada e um pouco da Ribeira Grande, pela zona industrial, todos os
restantes concelhos são mais pobres e alguns têm menos recursos do que muitas
das ditas ilhas pequenas.
Ponta Delgada
é sede do governo e vale pelo número de funcionários públicos, que são um
factor importante na constituição do PIB. As restantes actividades, que
poderiam ser de igual modo fonte de riqueza, designadamente empresas públicas e
privadas, apesar da sua dimensão, estão a passar dificuldades financeiras e
como tal, a sua participação na economia foi ficando reduzida.
Naturalmente
que, do mesmo modo alguns sectores que em tempos deram emprego a muita gente
como a agricultura, a construção e alguma indústria, foram caindo e a sua
quebra, naturalmente também foi maior em S. Miguel e faz com que mais gente
ficasse sem emprego e mais famílias tenham de recorrer ao RSI. Acresce que S.
Miguel é historicamente uma ilha de grandes desigualdades sociais e com
situações de pobreza que já se faziam sentir antes da autonomia e nunca foram
resolvidas de forma estrutural.
A Terceira,
por outro lado, teve sempre uma economia socialmente mais equilibrada e durante
muitos anos a base das Lajes com um significativo número de trabalhadores
portugueses, espalhados por várias freguesias, com vencimentos acima da média,
constituíam um rendimento significativo. Todos os dias um grande número de
autocarros transportava para as Lajes várias dezenas de trabalhadores de quase
todas as localidades.
Festas são
importante motor da economia.
Finalmente,
as festas da Terceira -- que tanto se critica --, sejam as festas de Angra e da
Praia ou as das diversas localidades, são um importante suporte da economia da
ilha, dado que conseguem fazer movimentar diversas actividades paralelas,
animam o comércio e movimentam quantias apreciáveis de dinheiro nos mais
diversos sectores.
Já existem
alguns estudo preliminares sobre o efeito das festas na actividade económica
ilha, mas é fácil intuir que será naturalmente a segunda economia, logo a
seguir à agropecuária.
Políticos
desconhecem as ilhas
Apesar dos
números, as pessoas não ficam convencidas e continuam a achar que o Governo e
outras entidades privilegiam de forma muito evidente a ilha de S. Miguel e cada
vez mais se afirma -- e muitos casos com razão -- que se está muito longe do
desenvolvimento harmónico que se preconizava.
Isto
acontece, também, porque o discurso não é, nem nunca foi, o adequado e porque
as pessoas que têm poder de decisão conhecem mal as ilhas. Vêem-nas sempre
através de uma janela de Ponta Delgada e dos filtros dos dirigentes, mas
desconhecem o que as pessoas realmente pensam.
Também nunca
houve um sentido harmónico porque a maioria das decisões são em função de um
calendário eleitoral e das pressões dos dirigentes políticos.
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