domingo, 3 de junho de 2018

Corvo tem o PIB mais elevado dos Açores e São Miguel mais RSI

 Corvo tem o PIB mais elevado dos Açores e São Miguel mais RSI

No imaginário dos açorianos, há ilhas que têm sido privilegiadas e, portanto, fontes de maior riqueza e outras que têm sido esquecidas, logo mais pobres e com menos rendimentos.
O próprio discurso popular e político frequentemente se refere às ‘ilhas grandes’ e ‘ilhas pequenas’, percebendo-se claramente que não se referem apenas ao tamanho geográfico mas também à sua dimensão económica.
O fenómeno é sentido entre várias ilhas e, por vezes, dentro da própria ilha, quando tem mais de um concelho, mas todas apontam S. Miguel como a ilha com mais investimentos e com mais poder político e económico.
Os números, porém, não confirmam essa ideia.

S. Miguel com as maiores percentagens de RSI

O PIB per capita em S. Miguel não é muito superior ao das outras ilhas - e nem sequer é o mais elevado - e são os concelhos de S. Miguel onde se registam as percentagens mais elevadas de beneficiários do RSI (ainda recentemente se ficou a saber que esse número tem vindo a crescer, não estando esse aumento incluído no gráfico que se publica).
A ideia de que S. Miguel é a ilha com mais poder económico e mais investimento, vem de longa data.
Antes mesmo da autonomia, os terceirenses queixavam-se de que S. Miguel lhes tinha roubado as fábricas do açúcar e do álcool e, depois da autonomia, a ideia volta a sentir-se quando, depois de feitos os portos e outros investimentos estruturais nas ilhas pequenas, os investimentos se voltaram para S. Miguel que, na altura, tinha sido visivelmente penalizada.
Depois, essa ideia foi-se desvanecendo, muito pelo contributo das viagens de jovens que passaram a percorrer as ilhas nas competições desportivas e da generalização das viagens aéreas de membros e funcionários do Governo.
Mas, recentemente, com o crescimento do turismo, onde S. Miguel surge naturalmente com números de visitantes muito acima das outras ilhas e com a operação das low cost, praticamente apenas no aeroporto de Ponta Delgada, a questão volta a levantar-se.
A vincar este cenário, surge a passagem de cruzeiros no porto de Ponta Delgada, com eco especial nos dias em que passaram 5 e 4 barcos, acompanhando-se essas notícias de fotografias e imagens em que se vincava a espectacularidade do cenário e do número de pessoas nas ruas de Ponta Delgada e nos pontos turísticos mais importantes da ilha.

Diferenças com Terceira

Há que reconhecer que o cais construído no porto de Ponta Delgada foi uma obra feliz, quer do ponto de vista estético, criando uma paisagem construída apelativa e foi também uma obra funcional, porque os turistas desembarcam praticamente no centro da cidade, ou têm os autocarros logo à saída, que os levam a passeios onde enchem os olhos e as máquinas fotográficas de paisagens magníficas. Tem tudo para funcionar.
Ora, os terceirenses acham que esse movimento teria sentido, também, pelo menos em parte, em Angra do Heroísmo, podendo oferecer-se o facto de ser cidade Património Mundial e ter também paisagens e lugares de interesse turístico únicos como o Algar Carvão.Tanto mais que a determinada altura chegou a ser prometida a construção de um cais de cruzeiros na cidade, embora poucos acreditassem ser possível e o tempo veio a comprovar que não passou de uma promessa.
Há sugestões no sentido de utilizar o antigo cais de combustíveis dos americanos na Praia da Vitória, mas pouco consistentes e sem garantia de ser uma boa solução.

Porque S. Miguel não tem o PIB mais elevado?

Mas, afinal o que faz com que S. Miguel não tenha um PIB mais elevado e porque tem o maior número de beneficiários do RSI?
Na verdade, quando se fala de S. Miguel em termos económicos e desenvolvimento, fala-se de Ponta Delgada e um pouco da Ribeira Grande, todos os restantes concelhos são mais pobres e têm menos recursos do que muitas das ditas ilhas pequenas.
Ponta Delgada é sede do Governo e vale pelo número de funcionários públicos, as restantes actividades, que poderiam ser fonte de riqueza, empresas públicas e privadas, apesar da sua dimensão, estão a passar dificuldades financeiras e por tal, a sua participação na economia foi ficando reduzida.
Naturalmente que, do mesmo modo a quebra na construção e na indústria foi mais evidente em S. Miguel e fez com que mais gente ficasse sem emprego e mais famílias tenham de recorrer ao RSI.
Acresce que S. Miguel é historicamente uma ilha de grandes desigualdades sociais e com situações de pobreza que já se faziam sentir antes da crise.
A Terceira, por outro lado, teve sempre uma economia socialmente mais equilibrada e durante os anos em que houve emprego na Base das Lajes existia um grande número de trabalhadores com vencimentos acima da média, constituindo um rendimento significativo, com a particularidade de ser dividido por quase todas as freguesias.
Todos os dias vários autocarros transportavam várias dezenas de trabalhadores de quase todas as localidades.
Essa situação contribuiu para esse equilíbrio.
Finalmente, as festas da Terceira - que tanto se critica -, são um importante suporte da economia da ilha, enquanto conseguem fazer movimentar diversas actividades e animam o comércio em diversas áreas. E não são apenas as festas das localidades, são também as festas das cidades de Angra e da Praia que movimentam quantias apreciáveis de dinheiro nos mais diversos sectores.
Apesar dos números, as pessoas não ficam convencidas e continuam a achar que o Governo e outras entidades privilegiam de forma muito evidente a ilha de S. Miguel e cada vez mais se afirma que se está muito longe do desenvolvimento harmónico que se preconizava.
Isto acontece, também, porque o discurso não é o adequado e porque as pessoas que têm poder de decisão conhecem mal as ilhas.
Vêem-nas sempre através dos filtros dos dirigentes, mas desconhecem o que as pessoas realmente pensam.

Texto de Rafael Cota

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